terça-feira, 5 de outubro de 2010


A implantação da República não representou apenas uma mudança de regime. Correspondeu a uma revolta contra um País agachado e uma classe política de cobardes. Apoiada por uma pequena burguesia farta da pequenez nacional e por um povo urbano, ainda minoritário mas com horizontes para lá do campanário da Igreja, ela foi uma explosão contra a tacanhez nacional. Não foi a primeira. Não foi a última.

Sabemos o que aconteceu depois. Sabemos do falhanço político, do desastroso envolvimento na Grande Guerra, do caos financeiros e dos golpes e contragolpes. Das promessas por cumprir de uma elite impreparada. Ainda assim, foi um raro momento de coragem colectiva. Num país fechado e conservador, foi um momento de ousadia.

Depois veio a ditadura. Veio o País de quase sempre: rural, católico, pobre, medroso, conservador, mesquinho, obediente. Foi meio século que marcou muito do que somos hoje. Foi preciso o Estado Novo cair de podre para que voltasse a explodir esse outro Portugal. Só que há um bloqueio qualquer, talvez determinado por estarmos na periferia da Europa e nunca termos ultrapassado a nostalgia do Império perdido, que nos voltou a acabrunhar. A aceitar. A calar.

Cem anos depois da República, falta-nos essa revolta cíclica contra uma elite política e económica incompetente e habituada a viver do ouro do Brasil, do condicionalismo industrial ou dos fundos europeus. Falta-nos o orgulho, já não nacionalista mas pelo menos com alguma dignidade, de não aceitar como inevitáveis os ditames das potências europeias. Falta-nos um povo que não se julgue fadado a carregar o peso de uma elite parasitária da Nação. Falta-nos algum do arrojo de 1910 e muita da esperança de 1974.

Daniel Oliveira, in Arrastão.

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